imagesA Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está alterando sua forma de atuação. O novo presidente da entidade, o piauiense Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que assumiu o cargo em fevereiro, promete uma entidade mais atuante e focada em questões nacionais – como precatórios e dívidas dos Estados.

Além disso, quer entrar nas discussões tributárias travadas no Supremo Tribunal Federal (STF). Para a tarefa, nomeou um “procurador especial tributário”, cargo até então inexistente na estrutura da OAB (leia abaixo). No mandato que vai até 2016, o advogado compromete-se ainda a apresentar soluções para simplificar a tributação brasileira. “O cidadão está desprotegido na área tributária”, diz.

Administrador de um orçamento anual de cerca de R$ 30 milhões e representante dos interesses de 760 mil advogados, Marcus Vinicius, de 41 anos, dá sinais que terá um estilo diferente do antecessor Ophir Cavalcante: “Não quero ser comentarista de casos, mas cuidar de causas que melhorem a sociedade”, afirma o novo presidente. Na pauta também estão questões mais diretamente ligadas à advocacia: a manutenção do exame da Ordem e a inclusão da categoria no Simples Nacional, ambas em discussão no Congresso Nacional.

Formado desde 1993, Marcus Vinicius especializou-se em direito eleitoral. Por causa de sua autuação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o piauiense decidiu há 15 anos mudar-se para Brasília, e há 12 anos atua como conselheiro federal na OAB. O novo presidente recebeu o Valor em um almoço na sede da Ordem, em Brasília. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O que levou o senhor a propor uma atuação mais forte da OAB no Supremo?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho: Entendo que a Ordem deve cuidar de causas importantes da sociedade. Deve ser a porta-voz do cidadão contra injustiças e ilegalidades. O cidadão está desprotegido na área tributária. Hoje, há 60 matérias sobre o assunto no Supremo, a maioria em repercussão geral. Queremos ter atuação importante nessas causas. Não quero ser comentarista de casos, mas cuidar de causas que melhorem a sociedade. Já entramos, por exemplo, com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) para acabar com o limite de gastos com educação no Imposto de Renda. A educação é tão importante quanto a saúde. Se não há limite para a saúde, não deve haver para a educação.

Valor: Como será desenvolvido o trabalho na área tributária?
Marcus Vinicius:
Vamos instituir a Coordenação da Cidadania Tributária. Ela ficará ligada à Comissão de Direito Tributário da OAB. Queremos estimular os cidadãos e os advogados a exercerem sua cidadania para não permitir uma política de aumento de impostos e a constituição de sistemas tributários exorbitantes. O Brasil não pode ter uma carga fiscal que impeça o desenvolvimento.

Valor: Como melhorar o sistema tributário?
Marcus Vinicius: Vamos elaborar uma proposta de simplificação. Não chamamos de reforma tributária porque tantas já foram tentadas, e nenhuma foi realizada. A ideia é racionalizar o sistema. Quero que a coordenadoria, a comissão e a procuradoria tributária, outra novidade de minha gestão, verifiquem o cenário tributário atual e levantem a linha de atuação da Ordem, seja no Supremo ou na proposição de projetos no Congresso Nacional.

Valor: Quando a proposta será apresentada?
Marcus Vinicius: Quero até o fim do semestre ter elementos para lançar a discussão. Não vamos fulanizar o debate. Não quero comparar com gestões passadas. Cada gestão tem as exigências do momento e prioridades próprias.

Valor: Como será a atuação da OAB na guerra fiscal?
Marcus Vinicius: A guerra fiscal é um exemplo da falha do sistema. É um sistema que possibilita que cada Estado pratique uma política fiscal para atrair empresas, guerreando uns com os outros. Teremos uma proposta mais concreta até o fim do semestre.

Valor: A Ordem entrará nas discussões sobre a distribuição dos royalties do petróleo?
Marcus Vinicius: Não está na pauta da Ordem. O que vamos defender é a revisão da dívida dos Estados com o governo federal.

Valor: Por que a Ordem decidiu entrar nessa discussão?
Marcus Vinicius: Se por um lado defendemos que Estados e municípios devem pagar imediatamente o que devem em precatórios, de outro temos que lembrar que os governos estaduais negociaram suas dívidas com a União há 15 anos, em uma realidade econômica diferente. Os contratos são exorbitantes. É mais vantajoso tomar empréstimo do Banco Mundial para pagar a conta com o governo federal. As seccionais gaúcha e mineira da OAB já ingressaram com ações judiciais para buscar uma revisão dos contratos. Isso significaria mais recursos para a saúde, a educação e para o Judiciário. Faremos um ato no dia 15. Estamos convidando os governadores, presidentes de assembleias e ministros do governo federal. Queremos sensibilizar o governo de que a ideia está madura, já passou da hora de revisar essas as dívidas.

Valor: O que a Ordem propõe?
Marcus Vinicius: A proposta é mudar o indexador atual de correção da dívida. Trocar o IGP-DI [Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna] pela Selic ou o INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor]. Pode-se ainda estabelecer o pagamento um percentual fixo da arrecadação dos Estados, algo entre 6% e 9% da receita. No Rio Grande do Sul, por exemplo, destina-se 13% da receita líquida por ano para pagamento da dívida, enquanto os 12% obrigatórios para a saúde não são repassados porque não há dinheiro. A dívida inicial do Estado era de R$ 10 bilhões. Pagaram R$ 15 bilhões. Hoje, devem R$ 40 bilhões. Se houver a revisão, o Estado quita a dívida em 2015 ou 2016. Como está hoje, só quitarão a dívida em 2030.

Valor: Depois que a Ordem venceu a ação no STF contra o pagamento parcelado de precatórios, alguns tribunais pararam de repassar recursos aos credores. Houve de fato uma vitória nesse julgamento?
Marcus Vinicius: O primeiro alerta é que a vitória contra a emenda do calote não pode ser usada pelo poder público como uma desculpa para um novo calote. O Supremo protegeu o Brasil de novos calotes. Se o governante, por conta do julgamento, deixa de pagar os precatórios, está cometendo crime de responsabilidade fiscal. A Ordem tomará medidas contra governantes e presidentes de tribunais que deixarem de pagar os credores. Vamos abrir representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra quem que fizer isso. Enquanto a decisão não for publicada, a emenda constitucional está em vigor. Como houve pedido de modulação, decisões tomadas antes disso serão baseadas em má-fé do administrador.

Valor: A Ordem tem propostas para federalizar a dívida com precatórios?
Marcus Vinicius: Bateremos o martelo sobre a federalização da dívida amanhã, em reunião com presidentes das seccionais. Não defendemos que o governo federal assuma as dívidas dos Estados. Mas que garanta o pagamento. Pode-se, por exemplo, permitir a quitação de parcelas do programa Minha Casa Minha Vida. A Caixa Econômica Federal receberia recursos diretamente dos governos estaduais. Precatórios são títulos nobres. Se houver vontade política, é possível constituir um pagamento de precatórios federalizado.

Valor: A OAB já discutiu a questão com o governo federal?
Marcus Vinicius: Vamos conversar com o secretário do Tesouro, com a Casa Civil e com o próprio ministro da Fazenda para termos um sinal deles. Sabemos que a União não tem precatórios em atraso. Mas vivemos em uma federação. Esperamos sensibilizá-los.

Valor: O senhor pretende discutir a abertura do mercado de advocacia para escritórios estrangeiros? Também está na pauta a abertura de capital pelos escritórios, como ocorreu na Inglaterra?
Marcus Vinicius: Não. Assim como o brasileiro precisa realizar o exame da Ordem para advogar, o estrangeiro também deve, por meio da mesma prova, demonstrar ter conhecimentos sobre o direito brasileiro. É a condição. Sobre a abertura de capital, entendo que a advocacia não pode ser equiparada a um mero negócio. A discussão não retornará à pauta nesta gestão.

Valor: Qual a prioridade que dará ao projeto para inclusão de escritórios no Simples Nacional?
Marcus Vinicius: É inadmissível ficar mais três anos sem uma decisão do Congresso. Vamos trabalhar ainda pela possibilidade de sociedade individual para a advocacia, pela fixação de honorários de sucumbência na área trabalhista e por férias para os profissionais. Todas serão prioridade na minha gestão, sem esquecer da manutenção do exame da Ordem. Devemos proteger o cidadão daquele sem um mínimo de conhecimento jurídico.

ORDEM PRETENDE PARTICIPAR DE 19 CASOS NO STF
Recém-nomeado procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – cargo até então inexistente –, o tributarista Luiz Gustavo Bichara propôs a participação da entidade em 19 casos tributários em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Se o plenário da OAB aprovar, a entidade atuará nos processos como amicus curiae ou interessada, a partir da entrega de memoriais e audiências com os ministros, além da realização de defesa oral na tribuna da Corte.

Para a OAB, temas relevantes estavam sendo deixados de lado. Apesar de atuar como assistente nos casos, a Ordem estava sem representante, por exemplo, no julgamento em que o STF decidiu pela obrigatoriedade do recolhimento da Cofins pelas sociedades de profissionais liberais, como os escritórios de advocacia. “Queremos ter o protagonismo em questões tributárias com uma representação especializada”, diz Bichara, sócio do escritório Bichara, Barata & Costa Advogados e conselheiro da OAB pelo Rio de Janeiro. “Num país onde a tributação beira 40% do PIB, mas os serviços essenciais não são oferecidos, o STF é a última instância para delimitar o poder de tributar”, afirma.

Dentre os temas indicados pelo advogado, está o maior caso tributário em andamento no STF: a inclusão do ICMS no cálculo do PIS e da Cofins. Quase R$ 90 bilhões estão em jogo na discussão. A Ordem poderá entrar ainda em questão similar que discute a inclusão do Imposto sobre Serviços (ISS) na base de cálculo das contribuições sociais. O caso está em andamento desde 2008. “Vamos postular a inclusão dos casos em pauta de julgamento o mais rápido possível”, diz o tributarista.

A Ordem poderá atuar ainda no recurso em que se discute se os contribuintes podem usar créditos do ICMS decorrentes da compra de bens de uso e consumo, como material de escritório e ar-condicionado. “A discussão é relevante para definir o custo Brasil”, diz Bichara.

Estão na lista ainda a discussão sobre o alcance da imunidade tributária das entidades de assistência social, a incidência da contribuição previdenciária sobre salário-maternidade e terço constitucional de férias, além da constitucionalidade do percentual fixado para recolhimento do Risco Ambiental do Trabalho (RAT), que substituiu o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). (BP)

Fonte: Valor Econômico


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